sexta-feira, 10 de outubro de 2008

"Um Reino Maravilhoso - Trás-os-Montes" (Miguel Torga)


"Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite." (...)
"Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança."(...)


"A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua. Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição. Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. "

"Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo." (...)

"O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei."


Miguel Torga - Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)

7 comentários:

Anónimo disse...

Pedaço de terra esculpido com as enxadas de "escultores" que amam cada palmo deste "reino", como a sua própria vida... Trás-Os-Montes, região abençoada pela Natureza...
Amei o texto e as fotos...
Amo esta terra que também é minha...
Ass. Milkita

Cadinho RoCo disse...

Nao sei o que está mais bonito. As imagens refletidas pelas fotos ou o sentimento emanado por palavras contempladas por elevada emoção. Já tive oportunidade de conhecer pessoas nascidas em Trás-dos-Montes, aqui na minha nossa Belo Horizonte, também cidade montanhosa.
Cadinho RoCo

Valentim Coelho disse...

Olá Alexandrina,
gosto muito desse texto de Miguel Torga. Quem melhor para descrever a nossa região! Excelente escolha!
Parabéns.
Beijo
Bom fim de semana.

Alexandrina Areias disse...

Olá amiga Milkita, sem dúvida que os agricultores transmontanos, foram e serão sempre uns grandes "escultores"...
Beijos


Olá Cadinho Roco,
ainda bem que gostou do texto e das imagens... Com toda a certeza que Belo Horizonte também é uma cidade maravilhosa, tal como este nosso "pequeno reino transmontano".
Cumprimentos


Olá Valentim, sem dúvida que Miguel Torga ficará para sempre como o Grande Poeta Transmontano, com um grande dom, de até conseguir pôr os penedos "a falar" com célebre frase: "para cá do Marão, mandam os que cá estão!..." que como sabes, também faz parte deste texto.
Beijos


AA

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá, belas fotografias...Belo texto de Miguel Torga...Espectacular...

Estrelinha Cláudia disse...

Realmente este nosso cantinho é simplesmente belo e como diz Miguel Torga "Um Reino Maravilhoso"
Beijinhos

Cláudia

Alexandrina Areias disse...

Só é mesmo pena, que nem todos os que cá habitam saibam sempre dar-lhe o merecido valor... E que principalmente, os "nossos" políticos se esqueçam muitas vezes deste nosso "reino maravilhoso" e que tantas e tantas vezes é esquecido por todos...
Beijos,

AA